segunda-feira, 11 de julho de 2011

Uma igreja alemã no Brasil - As igrejas de Kreinitz (Zeithain, Alemanha) e São Leopoldo (RS -Brasil)

A cidade de São Leopoldo, localizada no Vale dos Sinos, e ainda dentro da Região Metropolitana de Porto Alegre, apresenta aspecto de grande centro urbano. As constantes mudanças que a falta de planejamento adequado, aliado ao crescimento nada sustentável da economia (e principalmente, o prestígio comercial atingido pelo construção civil), praticamente anulam as origens de seu povoamento.


Modelo de preservação leopoldense: o patrimônio "preservado", porém desmoralizado, não faz mais qualquer diferença. Sua presença é dispensável no cenário urbano que o engole. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2006)

Quando fundada, São Leopoldo foi planejada para sede administrativa das colônias alemãs gaúchas. Com um traçado de tabuleiro, a cidade desempenhou por muitos anos este papel, que a partir de 1930, com a emancipação do distrito de Novo Hamburgo, foi lentamente ficando obsoleto. A cidade perdeu praticamente todos os seus distritos, e sua importância administrativa. Mas continuou crescendo.

Um pouco sobre a igreja luterana no Rio Grande do Sul

Praticamente desconhecido no restante do Brasil, o luteranismo chegou ao Rio Grande do Sul junto aos primeiros imigrantes de confissão luterana. A liberdade de culto foi garantida a estes ainda em tempos do império, com uma série de restrições. A principal delas, constante na Constituição, dizia respeito aos templos: deveriam ser discretos e não ter aparência de casa de cultos, ou seja, torres estavam sumariamente proibidas.



Em segundo plano, o primeiro templo luterano de São Leopoldo (RS).

A disponibilidade de apenas dois pastores para todas as colônias alemãs (São Leopoldo e de Três Forquilhas / Torres) deixava a maioria dos colonos em completo abandono espiritual. Esta situação ocasionou o surgimento da figura do “pseudo-pastor” - o “pastor” era eleito entre os colonos pela própria comunidade, que selecionava a pessoa que julgava com capacidade de interpretar as sagradas escrituras, e com disponibilidade de tempo para alfabetização das crianças.
Esta situação deixou os pastores eruditos enviados pela igreja luterana alemã a partir da década de 1860 completamente horrorizados, e também causava péssima impressão entre os padres católicos. Vistos como cristãos brutalizados, os colonos foram lentamente “re-convertidos” a fé erudita. Não foi fácil fazê-los aceitar decisões superiores, vindas “de cima para baixo”, em contraste com as decisões comunitárias que vigoraram até então.
As comunidades luteranas, organizadas pelos próprios colonos como unidades autônomas, acabariam filiando-se a sínodos ligados diretamente a Igreja Luterana alemã. Esta filiação oportunizou o crescimento econômico das comunidades, pois era comum o financiamento de templos, vitrais, sinos e outros bens, em número e com tal qualidade que seriam inalcançáveis nas pequenas localidades. Estes sínodos, após muitas idas e vindas, tornaram-se completamente independentes da igreja alemã, gerando o que hoje conhecemos por IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil.


Em 1908, a igreja em construção. Em primeiro plano, os filhos do Pastor Rotermund.

Neste breve resumo, não podemos deixar de citar a existência de outra corrente luterana, que viria a gerar a IELB - Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Filiada inicialmente ao sínodo norte-americano Missouri, chegou às terras gaúchas com a vinda de missionários norte-americanos. Suas pregações tinham características mais fundamentalistas e captaram boa parte dos fiéis luteranos em algumas cidades.

A igreja luterana de São Leopoldo

A partir da década de 1870, mais ou menos, pode-se dizer que as colônias alemãs e alcançaram relativa estabilidade econômica e prosperidade. São Leopoldo centralizava então a administração de toda colônia, sendo cidade muito simbólica para germanidade gaúcha.

(foto: Jorge Luís Stocker Jr./2006)

A igreja luterana de São Leopoldo, devido a proibição da constituição Imperial, funcionava até então em uma simples casa de cultos. Após a proclamação da república, a igreja mostrou-se muito modesta e incompatível com a nova imagem de prosperidade da colônia São Leopoldo, e da própria igreja Luterana.


(foto: Jorge Luís Stocker Jr./2006)

Sob a liderança do polêmico Pastor Rotermund, a comunidade de São Leopoldo decide construir seu novo templo baseado em um projeto alemão. A referência foi o templo luterano de Kreinitz, distrito situado às margens do Rio Elba, de autoria do Arquiteto Julius Zeissig, de Leipzig. O projeto foi construído com algumas modificações: o relógio foi disposto em todas as faces (a igreja alemã tem apenas um), e foi ampliada a nave principal.


Kreinitz, Alemanha, e sua igreja luterana, cujo projeto serviu de base para a igreja Leopoldense. Gentilmente cedida por Andreas Büttner.
[amplie a imagem, vale a pena!]

É curioso observar a semelhança da implantação das cidades, ambas em terreno plano e às margens de um rio importante. Enquanto Kreinitz continua um pequeno e pacífico povoado às margens do Rio Elba, São Leopoldo desde então cresceu descontroladamente, poluindo o Rio dos Sinos, e sem o menor cuidado de manter a harmonia de escalas de sua paisagem urbana.

Em Kreinitz, a igreja ainda desponta como o mais importante dos edifícios (que de fato é), pautando um perfil harmonioso de escalas compatíveis. Não há concorrência sequer para a nave da igreja, cuja cumeeira é mais alta do que todas as demais edificações das cercanias.


A paisagem confusa de São Leopoldo, onde as escalas não seguem qualquer ordem. Os interessantes exemplares Art-Déco estão com os dias contados. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2006)

Já em São Leopoldo, a conhecida Igreja do Relógio aparece como uma jóia perdida em meio a confusão, difícil de ser encontrada em meio a efusão de prédios de diferentes períodos, proporções e qualidades. Prédios residenciais medíocres e sem a mesma importância cobrem as visuais a partir de quase todos os ângulos. O templo reduziu-se a apenas um eco de uma São Leopoldo que pretendia-se representativa da germanidade brasileira, mas que hoje figura como apenas mais um de seus centros urbanos caóticos.
Este processo de banalização do meio urbano ainda está em andamento - diariamente a cidade nega e erradica o restante do seu patrimônio cultural em nome de um conceito de progresso atrasado e pífio, que remonta à décadas passadas.

Ficam as imagens de Kreinitz que, talvez, sejam um eco romântico do que a paisagem urbana de São Leopoldo poderia ter sido.

Gentilmente cedida por Uwe Riemer.

Gentilmente cedida por Matthias H.

Gentilmente cedida por Matthias H.

Leia também
- Site sobre Kreinitz, com fotos da igreja.
- Sobre a igreja de Kreinitz
- Histórico da IECLB.
- Livro Herança de Geração em Geração, de Telmo Lauro Müller, sobre a igreja luterana de São Leopoldo.

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8 comentários:

  1. Muito, muito bom, se é que dá para se expressar assim! Não conhecia as origens da "igreja do relógio" e a foto que mostra Kreinitz ao longe diz tudo. E essa prática de atirar a identidade de São Leopoldo no lixo, se mostra também na famigerada São Leopoldo Fest, que se transformou apenas em um desfile de artistas sertanejos, pagodeiros e assemelhados. Nada contra para quem gosta, mas nunca trazê-los para uma festa que deveria ter como objetivo celebrar a imigração alemã. Tristeza define o sentimento que resta.
    Parabéns pelo post. Tudo bem em reproduzi-lo no blog do Amigos do Morro do Espelho? Abraço!

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  2. Que bom saber que há um espelho na Europa do que parte de São Leopoldo poderia ser caso tivesse sido preservado seu núcleo original e histórico, ainda que em áreas distantes tivesse sido desenvolvida a Nova S.L . Assim como há um Hamburgo Velho, poderiam ter preservado uma Velha São Leopoldo como é tão comum nas cidades alemãs ( mesmo nas grandes) onde há as Alt Stadt com suas Rathaus ( Prefeituras) e Kirche ( igreja). Quando me lembro que Getúlio foi o responsável por parte desta descaracterização cultural do Germanismo gaúcho e brasileiro de outras regiões, eu me revolto e não consigo ter simpatia por ele.

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  3. Que bom saber que há na Europa um espelho de como parte de São Leopoldo seria caso tivessem preservado seu núcleo histórico no estilo das " Alt Stadt" ( partes antigas das cidades alemãs) que exibem suas belas Rathaus ( prefeituras) e Kirche ( igreja) etc. São Leopoldo poderia ter desenvolvido uma parte moderna em áreas distantes do centro histórico e preservado o mesmo mas infelizmente seguiu o que se fez em todo Brasil, ou seja, para se construir o novo, destruiam o que chamavam de velho , como se fossem incompatíveis. Sinto muito por esta situação e fico revoltado ao saber do dedo de Getúlio Vargas na destruição da identidade alemã dos teuto-brasileiros. Acho até um milagre que ainda se ache algumas casas enxaimel ( fachwerkhäuser) no RS porque com as perseguições que sofriam os descendentes de alemães, muitos negavam suas raízes para provarem ser brasileiros.

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  4. Não há nada escrito ou decretado por Getulio Vargas quanto ao desmonte da identidade alemã, que aconteceu foi a "virada de casaca" da simpatia pelo Fascismo europeu para o lado Norte Americano e suas promessas de industrialização em investimento na refinaria de petróleo. Acabou rendendo mais ao Brasil esta adesão aos aliados, e na real foi descontinuado a fala e escrita alemã, incompatível com os tempos de guerra. A cultura alemã não foi anulada, justo por ser forte, enquanto, claro, as gerações seguintes acabaram não aprendendo a língua, só isso !

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  5. Muito bom Jorge, fiquei agora com vontade de incluir Kreinitz no meu próximo roteiro alemão para ver de perto a irmã. É pena este nosso descontrole fruto de acelerado crescimento demográfico e desestruturação politica, social e cultural. É verdade que em algumas cidades alemãs a redução da população muito auxiliou a preservação das suas cidades, mas acima de tudo a cultura de seus valores e proteção de suas raizes é consenso de toda a sociedade. E por aqui assistimos continuamente a destruição de nossa história tornando nos homens e mulheres sem referencia, sem base, cada vez mais fragilizados e a mercê de qualquer modismo, sem reconhecimento de sua própria história e autoestima não seremos nada para o amanhã !!

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  6. Jorge:
    Ontem postei no meu blog, um documento pertencente à família e que foi redigido e assinado pelo Pastor do Quarto Distrito de São Leopoldo, João Haesbaert em 28 de março de 1871. Meu blog não deve ser de seu interesse, mas talvez queiras ver o documento, assim deixo o link.
    http://coisasepanosdabeth.blogspot.com/2011/07/guardar-para-recordar.html
    Beth.

    13 de julho de 2011 13:02

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  7. Prezados, segue uma mensagem que estamos divulgando às comunidades científicas, à nossa vizinhança que fica no Subúrbio do Rio de Janeiro e aos amigos. Estamos divulgando também na imprensa.
    Gostaria de contar também com a participação de vocês.
    Segue a mensagem, agradeço desde já a atenção,

    O IAB - Instituto de Arqueologia Brasileira, instituição com 50 anos de existência, ocupa há 37 anos, através de acordo com o Governo do Estado, a Casa do Capão do Bispo. É um bem histórico - século XVIII - tombado pelo IPHAN e de propriedade do Estado, situado na Av. Dom Hélder Câmara 4616, Del Castilho, entre o Norteshopping e a Catedral da Igreja Universal. Ao longo destes anos, a Casa virou em um centro de pesquisas e de formação de pesquisadores. Foram sempre os pesquisadores do IAB que cuidaram da Casa, com nenhuma ou pouquíssima ajuda do Estado. A Casa só está de pé por causa deles! Recentemente eles foram "intimados" pelo Estado a desocupar o local, com prazo até 31/08, sem que tenha sido apresentada uma razão concreta para tal e sem expor qual será o destino da Casa, apenas dizendo que irão reformar o local e que o Estado não tinha mais interesse que o IAB continuasse ali. Absurdo, ainda mais sabendo que a "solicitação" partiu da Secretaria de Cultura!. Trata-se de uma situação de extrema injustiça e que, efetivada, trará consequências profundas. As perguntas que não querem calar:
    1) porque agora, que vão fazer a reforma, querem que quem sempre cuidou da Casa saia dali?
    2) o que vão fazer com a Casa? A região sofre uma explosão imobiliária, com arranha-céus por todos os lados!
    Existe um movimento pela permanência dos pesquisadores na Casa, inclusive a petição "Abaixo-assinado desocupação da Casa de Fazenda do Bispo", no link:
    http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N12164 ou no blog http://arqueologiacapao.blogspot.com/

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